sexta-feira, 30 de julho de 2010

Episódio em um bar


  Com uma moeda na mão, uma pergunta pode ser comprada e foi assim que se sucedeu quando, de fato, sentado em uma cadeira num bar de avenida, um estranho comprou uma pergunta de si mesmo:
  ‘’ Essa moeda estará em sua posse se você conseguir responder a uma pergunta que agora me atormenta: quem é mais feliz, a cara ou a coroa de uma moeda?‘’                              
  Talvez o estranho fosse um louco, ou não tivesse na vida companhia alguma para conversar, ou mesmo só estivesse um tanto embriagado, mas sábio, ah sábio ele era sim.
  A conversa com ele mesmo era alta, todos podiam escutar:
  ‘’ Pode dizer com sinceridade, eu sei que você responderia que as duas faces são felizes, afinal entalhado em metal valioso ao invés de carne que se decompõe, quem não seria? ‘’
   ‘’ Meu caro, não existe duas faces, uma é exatamente a sombra da outra... Uma e outra, nada mais que outra... Outra e uma, apenas uma. ‘’

  Eis que a filosofia do estranho fora interrompida por um homem e sua sombra, que adentrava a avenida no campo de visão que a janela permitia.
  A sombra que se projetava era maior que o homem. Aliás, toda sombra é maior do que quem a projeta...
  E o estranho ouviu mais uma pergunta sua:
  ‘’ Mas quem seria realmente maior, a infelicidade visível nos passos do homem que vem ou a sombra que o segue? ‘’
  ‘’ Não existe o homem e a sombra, não existem os dois, apenas um... a lição que foi ensinada instantes atrás dizia assim . ‘’
  ‘’ Mas lembre-se, meu caro, não se trata mais uma vez de metal, com ou sem valor, trata-se apenas de carne que se decompõe e uma sombra, no chão. E então, o que me diz?‘’
  ‘’ A sombra... a sombra é maior... Toda infelicidade é negativa, é menor. Mas a sombra, ela é dúvida, pode projetar escuridão, mas quem disse que projeta infelicidade ou felicidade? A sombra é só algo que os nossos olhos ainda não aprenderam a enxergar, como sons que nossos ouvidos não conseguem captar.‘’
  Nesse tempo que fora percorrido, as pessoas do bar estavam incomodadas com a possível presença de um louco entre elas, afinal, em Preto e Branco, só o fato de indagar era fora do comum, mas indagar sobre felicidade era algo absurdo, e o estranho tivera que ser retirado do local.
  Ele se levantou, não fez escândalo para permanecer e nem reivindicou direitos, apenas voltou seus olhos em direção a cadeira em que havia sentado e disse:
  ‘’Só não se esqueça, meu caro, que, a sombra é maior porque quem a determinou assim na sua cabeça, foi você mesmo... ‘’
  Uma única moeda naquele bar, que não era suficiente para comprar mais doses de bebida, conseguiu comprar perguntas e escolhas, mas não respostas.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

A Cidade Preto e Branco

    Em cada casa um relógio diferente, em cada casa o mesmo tempo de todas as outras casas.
  Fosse o tempo brincar de ser relativo em cada uma delas, ser lento em umas, ser rápido em outras, porque se existe alguém para ser, estar, mudar e conjugar-se, só poderia ser ele.
  Mas ele não gosta de mudar, de se fantasiar dele mesmo... Não nessa cidade em que todas as pessoas são apenas prédios que se movem sobre pernas e são acimentadas pela frieza de nunca terem conhecido o pulsar dos sentimentos na própria veia.
  Em Preto e Branco ninguém vive, apenas move-se... por mover-se.